Marcos Paulo de Souza Miranda
Membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e do Núcleo de Pesquisas
A
pedra é material que se encontra presente em praticamente todas as obras que
foram realizadas nos primórdios de Minas Gerais, a exemplo de paredes de
templos e edificações, muros, calçamento de vias, chafarizes, alicerces,
currais, marcos de divisas etc.
A
profissão de pedreiro (na plena acepção da palavra) era difundida e respeitada
na Capitania de Minas, além de ser um ofício regulamentado, que somente podia
ser exercido por profissionais aprovados e registrados pelas respectivas
Câmaras Municipais.
Mas
há algo que ainda precisa ser melhor pesquisado em relação às produções dos antigos
pedreiros de Minas, pois muitas de suas obras estão assinaladas com marcas e
símbolos que, aparentemente, ainda não despertaram a atenção dos historiadores
e arqueólogos.
Tem-se
conhecimento de que as “marcas de pedreiro” estavam presentes nas antigas
edificações da Idade Média, como forma de identificação dos mestres
responsáveis por sua execução (firma
magister), sendo objeto atualmente de estudos da chamada gliptografia (ciência que
estuda as pedras antigas gravadas).
Para além das marcas dos
fabricantes, temos conhecimento ainda sobre a presença em Minas de símbolos existentes
em estruturas de pedras que, aparentemente, estavam relacionados a
representações religiosas e de poder, o que possivelmente é oriundo das
milenares tradições lusitanas que para cá se transportaram.
Quanto
aos sinais dos fabricantes, sabemos que remonta às Corporações de Ofício do
período medieval as chamadas “marcas dos mestres”, que normalmente eram
compostas pelas iniciais do nome do profissional. Era uma forma de se possibilitar
a fiscalização do exercício da profissão, algo parecido com a Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART) dos dias atuais. Esses sinais estão presentes em
incontáveis edificações portuguesas e espanholas, onde são conhecidos como
“signos lapidários”.
Em
nosso Estado, de igual forma, no calçamento das ruas de Diamantina, nos
deparamos com muitos signos de identificação, ao que tudo indica, dos antigos pedreiros
responsáveis pela produção das lajes utilizadas na pavimentação do antigo
Arraial do Tejuco.
Mas
há também signos relacionados, aparentemente, a tradições religiosas cristãs. Na
região central, nos deparamos com diversas pedras de mó, antigamente utilizadas
em moinhos para produção de fubá, com a presença marcante de uma cruz.
Considerando que pela diversidade de pedras que analisamos em locais distintos,
certamente os fabricantes eram muitos, aventamos a possibilidade do símbolo ser
utilizado com o sentido de invocar alguma proteção espiritual sobre o artefato
ou mesmo para abençoar o produto alimentar resultante do seu uso.
Outro
tipo de simbologia que identificamos nas pedras está relacionada ao poder do
Rei e seus ministros no que tange à concessão de terras, tradição supostamente
ligada à antiga Ordem de Cristo, da qual
o Rei de Portugal era Grão Mestre. As antigas sesmarias, concedidas por carta
do Governador da Capitania e confirmadas pelo Rei de Portugal, precisavam ser
medidas e demarcadas. No centro da
propriedade era fincado um marco de pedra, chamado pião, que era assinalado com
quatro cruzes voltadas para os pontos cardeais da propriedade. Nas quatro extremidades
da sesmaria, normalmente de meia légua em quadra, eram afixados outros marcos,
com a representação de uma cruz, que era voltada para o pião.
Na
cidade de Andrelândia, Sul de Minas Gerais, localizamos dois marcos contendo
esses sinais. Um deles foi resgatado da área de uma empresa de silvicultura e
está exposto em uma das praças da cidade.
.
Às
margens do Caminho do Ouro, que liga Paraty a Minas, nos deparamos com duas
pedras com gravações cruciformes, podendo estar relacionadas à delimitação
oficial do antigo Caminho Real.
Aventamos,
ainda, a possibilidade da presença de sinais relacionados à Ordem Maçônica em
estruturas de pedra produzidas no período colonial de Minas Gerais. Na
pavimentação de Grão Mogol, antigo arraial diamantífero do Norte de Minas,
existem representações que retratam o compasso, o esquadro e o sol, sabidamente
relacionados à simbologia e às antigas práticas dos Pedreiros Livres. Em Ouro
Preto, há um vetusto chafariz com a representação de três triângulos
equiláteros concêntricos, com possível ligação à trindade maçônica em razão de
informações históricas relacionadas à propriedade em que se encontra.
Por
derradeiro, há símbolos presentes em pedras que, ao que tudo indica, estão
relacionados às práticas de cristãos-novos. No município de Rio Acima, Região
Central, existe uma verga de uma antiquíssima casa com a presença de elemento
cruciforme e inscrição muito semelhantes a símbolos identificados nas antigas
judiarias portuguesas e que são atualmente objeto de estudo da arqueologia
judaica na Europa.
Está inscrito nos versículos de Dt.
4-9, 11, 13-21 o “Shemá”, oração fundamental do Povo de Israel que manda gravar
nas ombreiras das portas e janelas as suas palavras: “Tú as atarás à tua mão como um sinal, e serão como um frontal entre os
teus olhos, tu as escreverás nos umbrais da tua casa e nas tuas portas”.
Enfim,
há um campo vasto a ser explorado a fim de se identificar e tentar melhor compreender
os significados dos símbolos presentes nas seculares pedras de Minas Gerais.