sábado, 14 de abril de 2018

PEDRAS E SÍMBOLOS EM MINAS GERAIS




Marcos Paulo de Souza Miranda
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e do Núcleo de Pesquisas

A pedra é material que se encontra presente em praticamente todas as obras que foram realizadas nos primórdios de Minas Gerais, a exemplo de paredes de templos e edificações, muros, calçamento de vias, chafarizes, alicerces, currais, marcos de divisas etc.
A profissão de pedreiro (na plena acepção da palavra) era difundida e respeitada na Capitania de Minas, além de ser um ofício regulamentado, que somente podia ser exercido por profissionais aprovados e registrados pelas respectivas Câmaras Municipais.
Mas há algo que ainda precisa ser melhor pesquisado em relação às produções dos antigos pedreiros de Minas, pois muitas de suas obras estão assinaladas com marcas e símbolos que, aparentemente, ainda não despertaram a atenção dos historiadores e arqueólogos.
Tem-se conhecimento de que as “marcas de pedreiro” estavam presentes nas antigas edificações da Idade Média, como forma de identificação dos mestres responsáveis por sua execução (firma magister), sendo objeto atualmente de estudos da chamada gliptografia (ciência que estuda as pedras antigas gravadas).
            Para além das marcas dos fabricantes, temos conhecimento ainda sobre a presença em Minas de símbolos existentes em estruturas de pedras que, aparentemente, estavam relacionados a representações religiosas e de poder, o que possivelmente é oriundo das milenares tradições lusitanas que para cá se transportaram.
Quanto aos sinais dos fabricantes, sabemos que remonta às Corporações de Ofício do período medieval as chamadas “marcas dos mestres”, que normalmente eram compostas pelas iniciais do nome do profissional. Era uma forma de se possibilitar a fiscalização do exercício da profissão, algo parecido com a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) dos dias atuais. Esses sinais estão presentes em incontáveis edificações portuguesas e espanholas, onde são conhecidos como “signos lapidários”.
Em nosso Estado, de igual forma, no calçamento das ruas de Diamantina, nos deparamos com muitos signos de identificação, ao que tudo indica, dos antigos pedreiros responsáveis pela produção das lajes utilizadas na pavimentação do antigo Arraial do Tejuco.


Mas há também signos relacionados, aparentemente, a tradições religiosas cristãs. Na região central, nos deparamos com diversas pedras de mó, antigamente utilizadas em moinhos para produção de fubá, com a presença marcante de uma cruz. Considerando que pela diversidade de pedras que analisamos em locais distintos, certamente os fabricantes eram muitos, aventamos a possibilidade do símbolo ser utilizado com o sentido de invocar alguma proteção espiritual sobre o artefato ou mesmo para abençoar o produto alimentar resultante do seu uso.


Outro tipo de simbologia que identificamos nas pedras está relacionada ao poder do Rei e seus ministros no que tange à concessão de terras, tradição supostamente ligada  à antiga Ordem de Cristo, da qual o Rei de Portugal era Grão Mestre. As antigas sesmarias, concedidas por carta do Governador da Capitania e confirmadas pelo Rei de Portugal, precisavam ser medidas e demarcadas.  No centro da propriedade era fincado um marco de pedra, chamado pião, que era assinalado com quatro cruzes voltadas para os pontos cardeais da propriedade. Nas quatro extremidades da sesmaria, normalmente de meia légua em quadra, eram afixados outros marcos, com a representação de uma cruz, que era voltada para o pião.
Na cidade de Andrelândia, Sul de Minas Gerais, localizamos dois marcos contendo esses sinais. Um deles foi resgatado da área de uma empresa de silvicultura e está exposto em uma das praças da cidade.
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Às margens do Caminho do Ouro, que liga Paraty a Minas, nos deparamos com duas pedras com gravações cruciformes, podendo estar relacionadas à delimitação oficial do antigo Caminho Real.
 

Aventamos, ainda, a possibilidade da presença de sinais relacionados à Ordem Maçônica em estruturas de pedra produzidas no período colonial de Minas Gerais. Na pavimentação de Grão Mogol, antigo arraial diamantífero do Norte de Minas, existem representações que retratam o compasso, o esquadro e o sol, sabidamente relacionados à simbologia e às antigas práticas dos Pedreiros Livres. Em Ouro Preto, há um vetusto chafariz com a representação de três triângulos equiláteros concêntricos, com possível ligação à trindade maçônica em razão de informações históricas relacionadas à propriedade em que se encontra.

Por derradeiro, há símbolos presentes em pedras que, ao que tudo indica, estão relacionados às práticas de cristãos-novos. No município de Rio Acima, Região Central, existe uma verga de uma antiquíssima casa com a presença de elemento cruciforme e inscrição muito semelhantes a símbolos identificados nas antigas judiarias portuguesas e que são atualmente objeto de estudo da arqueologia judaica na Europa.

            Está inscrito nos versículos de Dt. 4-9, 11, 13-21 o “Shemá”, oração fundamental do Povo de Israel que manda gravar nas ombreiras das portas e janelas as suas palavras: “Tú as atarás à tua mão como um sinal, e serão como um frontal entre os teus olhos, tu as escreverás nos umbrais da tua casa e nas tuas portas”.

Enfim, há um campo vasto a ser explorado a fim de se identificar e tentar melhor compreender os significados dos símbolos presentes nas seculares pedras de Minas Gerais.

EFEMÉRIDES DA FÁBRICA DE TECIDOS SANTA BÁRBARA, SITUADA NO MUNICÍPIO DE AUGUSTO DE LIMA, NORTE DE MINAS GERAIS



Marcos Paulo de Souza Miranda

Em meados do século XVIII a Fazenda Santa Bárbara, próxima ao Rio Curumataí, então pertencente ao Arraial do Tejuco, era propriedade do afortunado contratador João Fernandes de Oliveira, amasiado com a lendária Chica da Silva. Contava com uma casa de vivenda térrea, coberta de telha, um engenho de moer cana, movido por bois, uma casa de moinho coberta, bom rego d’água. A fazenda era muito extensa e estava dividida em dois retiros: Cavalgadura e São Miguel, que contavam como currais de pau-a-pique.

1856  - A Fazenda estava arrendada a Bento José Afonso Fernandes. Era então propriedade do Morgado João Germano de Oliveira Grijó, neto de João Fernandes e Chica da Silva.

1872 – O Governo da Província, por meio da Lei nº 1909, determina a análise das águas minerais termais existentes na Fazenda Santa Bárbara.

1884 – O comerciante de diamantes João da Matta Machado (08-02-1818 – 24.04.1886) idealiza a fundação da Fábrica de Tecidos Santa Bárbara, incumbindo seus filhos de darem andamento ao projeto. O local para implantação do empreendimento seria a Fazenda Santa Bárbara, então pertencente ao município de Diamantina e, atualmente, ao município de Augusto de Lima, a 285 km de Belo Horizonte. 

1885 – A planta da fábrica foi elaborada pelo engenheiro Eduardo Bonjean, o mesmo que montou o Palácio de Cristal em Petrópolis em 1884. O maquinário foi importado da Inglaterra, seguindo de trem do Rio de Janeiro até Conselheiro Lafaiete, de onde foi transportado em carros de boi até Sabará. Em seguida as máquinas foram embarcadas em balsas e desceram pelo Rio das Velhas até um porto chamado Manga, situado perto da fábrica.

19 de maio de 1886 -  Fundada em Diamantina  a sociedade comercial Matta Machado, Moreira & Cia, com o objetivo de produzir tecidos de algodão e promover a venda do produto. Foram fundadores: Dr. João da Matta Machado, Antônio Moreira da Costa (Barão de Paraúna), Augusto da Matta Machado, Álvaro da Matta Machado, Pedro da Matta Machado, Francisco Correa Ferreira Rabelo, João Antônio Lopes de Figueiredo, Pedro José Versiani e José da Silva Machado. 

1887 – O Jornal “A Província de Minas”, publicado em Ouro Preto em 06 de outubro de 1887, registra as propriedades medicinais das águas da Fazenda Santa Bárbara.

22 de maio de 1888  foi dado início à produção de tecidos de algodão sob a responsabilidade dos mestres ingleses João Kirch e Thomaz Moore. A água para movimentar o maquinário era captada no córrego da Areia, no alto da Serra do Espinhaço, sendo transportada por canais de pedra e por bicames  fabricados de aroeira e cedro.

1893 – Alice Dayrell registra em seu diário que vários familiares iam tratar-se nas águas quentes de Santa Bárbara. O diário foi publicado posteriormente com o título “Minha Vida de Menina”, sob o pseudônimo de Helena Morley.

1894 – Influenciados pela Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, sobre a condição dos operários, os proprietários da fábrica estabeleceram a coparticipação dos empregados nos lucros da empresa e criaram um fundo de beneficência para amparar os doentes e idosos.

1896 – Dirigia a tecelagem o Capitão Augusto da Mata Machado. O gerente era Francisco Diogo de Araújo Tameirão.

1898-1899 – Uma forte seca ocorrida na Bahia implicou em diminuição drástica do algodão que era fornecido para a fábrica de Santa Bárbara, que enfrentou grave crise financeira.

04 de dezembro de 1903, em razão de dívidas com o Banco Hipotecário do Brasil, a fábrica foi penhorada. À época o mestre de fiação era o inglês James Winders.

1906 – A fábrica contava com 1744 fusos, 72 teares, consumia 100 mil quilos anuais de tecido, força motriz de 150 cavalos de energia hidráulica, 120 operários, produzindo  um milhão de metros anuais de tecidos brancos, lisos, entrançados, sob a gerência do Coronel Teófilo Marques Ferreira.

1909 – Construído o prédio que seria utilizado como cinema posteriormente.

23 de fevereiro de 1933 – A fábrica é adquirida Pelo comerciante e banqueiro João Leopoldo Modesto Leal, titulado conde Modesto Leal pela Santa Sé (Araruama1860 — Rio de Janeiro31 de outubro de 1939), juntamente com outros sócios residentes no Rio de Janeiro.

1950 – João Paculdino Ferreira (01-06-1900 – 06-12-1963), filho de antigos operários da tecelagem,  adquire a Companhia Fiação e Tecidos Santa Bárbara e começa a modernizá-la, construindo uma usina para geração de energia elétrica e substituindo o antigo maquinário inglês movido a energia hidráulica. A usina foi inaugurada em 13 de janeiro de 1953.

1955 – João Paculdino Ferreira constrói um novo prédio para a fábrica, defronte ao antigo e imponente casarão industrial inaugurado em 1886. A tecelagem encontra-se ainda em funcionamento.
1962 – Parte do prédio da Fábrica Velha foi destruído por uma descarga atmosférica.

1963 - Com a morte de João Paculdino, a administração da empresa passou para seus filhos João e Alberto e hoje se encontra nas mãos da terceira geração da família.

1999 – Início da construção do hotel Águas de Santa Bárbara.

2014 – Em 24 de fevereiro o Ministério Público do Estado de Minas Gerais recomenda ao Município de Augusto de Lima o tombamento do conjunto arquitetônico da antiga Vila de Santa Bárbara.

2015 – Em 26 de agosto foi firmado pela Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, Município de Augusto de Lima e proprietários da fábrica, acordo para o tombamento consensual do conjunto arquitetônico da Vila de Santa Bárbara. O tombamento foi deliberado pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Augusto de Lima em 04 de dezembro.

2016 – Em 21 de janeiro foi editado o Decreto 03/2016, homologando o tombamento do prédio da Fábrica de Tecidos Santa Bárbara e as edificações do seu entorno. No dia seguinte o bem foi inscrito no livro do tombo, passando a ser o primeiro bem protegido do município.

2016 – Em 27 de abril foi firmado acordo pelo Ministério Público com os proprietários e o Município de Augusto de Lima para elaboração do projeto de restauro dos bens tombados.

JAGUARA: IGREJA-MÃE




Marcos Paulo de Souza Miranda


                Situada no atual município de Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Fazenda da Jaguara foi uma das maiores e mais importantes propriedades rurais do período colonial em Minas Gerais. Depois de ter pertencido a  Francisco Cunha de Macedo (1754), a fazenda foi adquirida pelo abastado minerador português Antônio  de Abreu Guimarães, que ali,  em  1786, erigiu a Igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição, substituindo uma velha capela.
Sob os auspícios do potentado Antônio de Abreu Guimarães, na Jaguara trabalhou, entre 1786-1788, o maior mestre do barroco mineiro: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que produziu os altares, os púltipos, o coro, móveis  e muitas imagens sacras e peças de talha para decorar o primoroso templo.
Apesar de estar situada em uma fazenda de propriedade privada, a Igreja da Jaguara era um templo consagrado pelo Bispado de Mariana ao  uso coletivo.  Nela eram realizados atos religiosos por padres  da Paróquia de Santa Luzia e ao seu lado existia, inclusive, um cemitério onde eram sepultados moradores da região.
Por se tratar de templo dedicado ao uso coletivo,  todo o seu patrimônio estava  vinculado à Igreja Católica, ficando submetido a um peculiar regime jurídico (os chamados bens de mão-morta, caracterizados pela inalienabilidade).
Entretanto,  no início do século XX,  com a aquisição da fazenda onde estava situado o templo pelo anglicano George Chalmers, que havia sido diretor da Mina de Ouro Morro Velho, a edificação foi sendo relegada ao abandono. Não querendo uma Igreja Católica em funcionamento em  suas terras, mas certamente sabendo que os bens que guarneciam o templo não lhe pertenciam,  o inglês Chalmers passou a remetê-los a outras Igrejas, para que pudessem continuar a servir ao culto religioso.
O conjunto mais expressivo, constituído pelo altar-mor,  altares colaterais, a tarja do arco-cruzeiro, com dois anjos, um altar da sacristia, dois púlpitos e uma tribuna de coro, foi enviado por Chalmers  à cidade de Nova Lima no ano de 1910, onde foi inserido na Igreja do Pilar. Essas obras de talha, de rara beleza e erudição, foram tombadas pelo IPHAN em 1950.
Uma belíssima Nossa Senhora da Piedade, de autoria do Aleijadinho, foi remetida  à Capela do Bagre, hoje cidade de Felixlândia, da qual  é a padroeira. Outras imagens de menor vulto foram incorporadas ao patrimônio de Capelas de Pedro Leopoldo e região. Assim, a Jaguara pode ser considerada a Igreja-Mãe de vários outros templos mineiros.
Infelizmente, muitas outras obras de talha (parte do coroamento de um altar, florão com anjo contendo o nome de Antônio Abreu Guimarães em uma fita), imaginária (Pomba representando o Divino Espírito Santo, Nossa Senhora das Dores, Santa Rita, São Jerônimo), cantaria (portais, óculos e soleiras), peças de madeira (portas e janelas), móveis (credências) e ferragens (cruz, galo e esfera armilar das torres) foram parar nas mãos de antiquários e colecionadores em transações nebulosas e juridicamente ilícitas, que são objeto de investigação.
A possível pia batismal da primitiva capela da Jaguara encontra-se atualmente integrada ao acervo do Museu Mineiro, em Belo Horizonte, onde pode ser conhecida e fruída coletivamente, ao contrário das demais peças, que se transformaram em peças de decoração de residências privadas.
Seria desejável, neste ano em que se celebra o Barroco Mineiro e o bicentenário da morte do Aleijadinho,  que tais objetos, hoje dispersos sobretudo por Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, fossem novamente reunidos e integrados a um acervo gerido pelo poder público, mediante devolução voluntária de quem os detêm.
Ao caso da Jaguara cabem, com exatidão, as palavras do Dalai Lama: “Podemos perdoar a destruição do passado, causada pela ignorância. Agora, no entanto, temos a responsabilidade de examinar eticamente o que herdamos e o que passaremos às gerações futuras.”

UAI, UÉ ! DE ONDE QUE O TREM É ? - Possíveis origens históricas de alguns falares mineiros

  Por: Marcos Paulo de Souza Miranda                 - Uai, que trem bão é esse ?             - Ué, é queijo, sô!   Um colóquio de conteúdo...