sábado, 14 de abril de 2018

JAGUARA: IGREJA-MÃE




Marcos Paulo de Souza Miranda


                Situada no atual município de Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Fazenda da Jaguara foi uma das maiores e mais importantes propriedades rurais do período colonial em Minas Gerais. Depois de ter pertencido a  Francisco Cunha de Macedo (1754), a fazenda foi adquirida pelo abastado minerador português Antônio  de Abreu Guimarães, que ali,  em  1786, erigiu a Igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição, substituindo uma velha capela.
Sob os auspícios do potentado Antônio de Abreu Guimarães, na Jaguara trabalhou, entre 1786-1788, o maior mestre do barroco mineiro: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que produziu os altares, os púltipos, o coro, móveis  e muitas imagens sacras e peças de talha para decorar o primoroso templo.
Apesar de estar situada em uma fazenda de propriedade privada, a Igreja da Jaguara era um templo consagrado pelo Bispado de Mariana ao  uso coletivo.  Nela eram realizados atos religiosos por padres  da Paróquia de Santa Luzia e ao seu lado existia, inclusive, um cemitério onde eram sepultados moradores da região.
Por se tratar de templo dedicado ao uso coletivo,  todo o seu patrimônio estava  vinculado à Igreja Católica, ficando submetido a um peculiar regime jurídico (os chamados bens de mão-morta, caracterizados pela inalienabilidade).
Entretanto,  no início do século XX,  com a aquisição da fazenda onde estava situado o templo pelo anglicano George Chalmers, que havia sido diretor da Mina de Ouro Morro Velho, a edificação foi sendo relegada ao abandono. Não querendo uma Igreja Católica em funcionamento em  suas terras, mas certamente sabendo que os bens que guarneciam o templo não lhe pertenciam,  o inglês Chalmers passou a remetê-los a outras Igrejas, para que pudessem continuar a servir ao culto religioso.
O conjunto mais expressivo, constituído pelo altar-mor,  altares colaterais, a tarja do arco-cruzeiro, com dois anjos, um altar da sacristia, dois púlpitos e uma tribuna de coro, foi enviado por Chalmers  à cidade de Nova Lima no ano de 1910, onde foi inserido na Igreja do Pilar. Essas obras de talha, de rara beleza e erudição, foram tombadas pelo IPHAN em 1950.
Uma belíssima Nossa Senhora da Piedade, de autoria do Aleijadinho, foi remetida  à Capela do Bagre, hoje cidade de Felixlândia, da qual  é a padroeira. Outras imagens de menor vulto foram incorporadas ao patrimônio de Capelas de Pedro Leopoldo e região. Assim, a Jaguara pode ser considerada a Igreja-Mãe de vários outros templos mineiros.
Infelizmente, muitas outras obras de talha (parte do coroamento de um altar, florão com anjo contendo o nome de Antônio Abreu Guimarães em uma fita), imaginária (Pomba representando o Divino Espírito Santo, Nossa Senhora das Dores, Santa Rita, São Jerônimo), cantaria (portais, óculos e soleiras), peças de madeira (portas e janelas), móveis (credências) e ferragens (cruz, galo e esfera armilar das torres) foram parar nas mãos de antiquários e colecionadores em transações nebulosas e juridicamente ilícitas, que são objeto de investigação.
A possível pia batismal da primitiva capela da Jaguara encontra-se atualmente integrada ao acervo do Museu Mineiro, em Belo Horizonte, onde pode ser conhecida e fruída coletivamente, ao contrário das demais peças, que se transformaram em peças de decoração de residências privadas.
Seria desejável, neste ano em que se celebra o Barroco Mineiro e o bicentenário da morte do Aleijadinho,  que tais objetos, hoje dispersos sobretudo por Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, fossem novamente reunidos e integrados a um acervo gerido pelo poder público, mediante devolução voluntária de quem os detêm.
Ao caso da Jaguara cabem, com exatidão, as palavras do Dalai Lama: “Podemos perdoar a destruição do passado, causada pela ignorância. Agora, no entanto, temos a responsabilidade de examinar eticamente o que herdamos e o que passaremos às gerações futuras.”

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