Marcos Paulo de Souza
Miranda
Situada
no atual município de Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a
Fazenda da Jaguara foi uma das maiores e mais importantes propriedades rurais
do período colonial em Minas Gerais. Depois de ter pertencido a Francisco Cunha de Macedo (1754), a fazenda
foi adquirida pelo abastado minerador português Antônio de Abreu Guimarães, que ali, em 1786,
erigiu a Igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição, substituindo uma velha
capela.
Sob os
auspícios do potentado Antônio de Abreu Guimarães, na Jaguara trabalhou, entre
1786-1788, o maior mestre do barroco mineiro: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho,
que produziu os altares, os púltipos, o coro, móveis e muitas imagens sacras e peças de talha para
decorar o primoroso templo.
Apesar de
estar situada em uma fazenda de propriedade privada, a Igreja da Jaguara era um
templo consagrado pelo Bispado de Mariana ao uso coletivo.
Nela eram realizados atos religiosos por padres da Paróquia de Santa Luzia e ao seu lado
existia, inclusive, um cemitério onde eram sepultados moradores da região.
Por se tratar
de templo dedicado ao uso coletivo, todo
o seu patrimônio estava vinculado à
Igreja Católica, ficando submetido a um peculiar regime jurídico (os chamados
bens de mão-morta, caracterizados pela inalienabilidade).
Entretanto, no início do século XX, com a aquisição da fazenda onde estava situado
o templo pelo anglicano George Chalmers, que havia sido diretor da Mina de Ouro
Morro Velho, a edificação foi sendo relegada ao abandono. Não querendo uma
Igreja Católica em funcionamento em suas
terras, mas certamente sabendo que os bens que guarneciam o templo não lhe
pertenciam, o inglês Chalmers passou a
remetê-los a outras Igrejas, para que pudessem continuar a servir ao culto
religioso.
O conjunto
mais expressivo, constituído pelo altar-mor, altares colaterais, a tarja do arco-cruzeiro,
com dois anjos, um altar da sacristia, dois púlpitos e uma tribuna de coro, foi
enviado por Chalmers à cidade de Nova
Lima no ano de 1910, onde foi inserido na Igreja do Pilar. Essas obras de
talha, de rara beleza e erudição, foram tombadas pelo IPHAN em 1950.
Uma belíssima
Nossa Senhora da Piedade, de autoria do Aleijadinho, foi remetida à Capela do Bagre, hoje cidade de Felixlândia,
da qual é a padroeira. Outras imagens de
menor vulto foram incorporadas ao patrimônio de Capelas de Pedro Leopoldo e
região. Assim, a Jaguara pode ser considerada a Igreja-Mãe de vários outros
templos mineiros.
Infelizmente, muitas
outras obras de talha (parte do coroamento de um altar, florão com anjo contendo
o nome de Antônio Abreu Guimarães em uma fita), imaginária (Pomba representando
o Divino Espírito Santo, Nossa Senhora das Dores, Santa Rita, São Jerônimo),
cantaria (portais, óculos e soleiras), peças de madeira (portas e janelas),
móveis (credências) e ferragens (cruz, galo e esfera armilar das torres) foram
parar nas mãos de antiquários e colecionadores em transações nebulosas e
juridicamente ilícitas, que são objeto de investigação.
A possível pia
batismal da primitiva capela da Jaguara encontra-se atualmente integrada ao
acervo do Museu Mineiro, em Belo Horizonte, onde pode ser conhecida e fruída
coletivamente, ao contrário das demais peças, que se transformaram em peças de
decoração de residências privadas.
Seria
desejável, neste ano em que se celebra o Barroco Mineiro e o bicentenário da
morte do Aleijadinho, que tais objetos,
hoje dispersos sobretudo por Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, fossem
novamente reunidos e integrados a um acervo gerido pelo poder público, mediante
devolução voluntária de quem os detêm.
Ao caso da
Jaguara cabem, com exatidão, as palavras do Dalai Lama: “Podemos perdoar a destruição do passado,
causada pela ignorância. Agora, no entanto, temos a responsabilidade de
examinar eticamente o que herdamos e o que passaremos às gerações futuras.”
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