sábado, 14 de abril de 2018

JARDIM BOTÂNICO DE OURO PRETO: A PRIMEIRA “UNIDADE DE CONSERVAÇÃO” DE MINAS GERAIS


Marcos Paulo de Souza Miranda
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Cadeira nº 93. Patrono: Orville Derby
Membro da Academia de Letras do Ministério Público de Minas Gerais.
Cadeira nº 12. Patrono: Francisco Pascoal de Araújo.

                O primeiro Jardim Botânico de que se tem notícia no Brasil é o do Grão Pará, instituído em Belém no ano de 1796. 

Em Minas Gerais, cumprindo uma determinação do Governo Português de 1798, foi implantado no ano seguinte, em Ouro Preto,  um Horto Botânico em terreno que havia pertencido ao contratador José Pereira Marques, ao lado da Casa dos Contos.  Os trabalhos científicos do Horto, desde o início, estiveram sob  a responsabilidade do Dr. Joaquim Veloso de Miranda, formado em Filosofia Natural pela Universidade de Coimbra e um dos mais destacados discípulos do célebre professor italiano Domingos Vandelli.

Entretanto, em razão do espaço físico limitado e da impossibilidade do cultivo em larga escala de plantas consideradas estratégicas, o Horto Botânico dos Contos teve vida efêmera, e, já na segunda década do século XIX, o estabelecimento foi transferido para a região do Passa Dez (antiga propriedade do contratador João Rodrigues de Macedo, com aproximadamente 50 alqueires e grande abundância de água), sendo formalmente inaugurado, com a designação de Jardim Botânico,  em 02 de setembro de 1825.

Segundo Henrique Barbosa da Silva Cabral (1875-1946)[1], no Passa Dez de Cima:
 “é que achava localizado o Jardim Botânico, com sua grande casa assobradada, toda construída de pedras, com ampla varanda na frente, salas enormes, quartos espaçosos e outras dependências.
Houve Governadores da Capitania e Presidentes da Província que passavam ali dias de repouso ou que para ali iam, a fim de trabalharem mais tranquilamente.
Pertenciam a este casarão que, abandonado, foi-se desmoronando até se tornar em ruínas, alguns alqueires de terra.
O Jardim Botânico de Vila Rica é de origem colonial, o que mostra como os homens daquele época remota já eram progressistas.”

No ano de 1833 ocupava a administração do Jardim Botânico o jovem Fernando Antônio Pereira de Vasconcelos, formando em Ciências Naturais na Holanda e que fez estágio no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. No ano de 1835 o Jardim contava com mais de 80 espécies de plantas exóticas (a maior parte oriunda da Ásia e Oceania, como Cravo da Índia e Caneleira do Ceilão) e nativas, destacando-se, em quantidade, a plantação de 1.300 pés de Chá da Índia e 500 pés do Pinheiro de Minas. O Jardim abrigava espécies como: Fruta do Conde, Árvore de Pão, Jaca da Bahia, Camélia, Árvore do Sebo, Abacateiro, Mosqueira, Pereira, Ameixeira,  Casuarina, Pessegueiro, Losna, Ananás, Dália, Craveira, Jabuticaba, Pitanga, Sardinheira, Malva Cheirosa, Sapucaia, Poejo, Lírio Branco, Goiabeira, Sabugueiro e Saudades.

Segundo Cláudio Lima, todas as plantas estavam dispostas com arte em terraços sustentados por muros de pedras, que se comunicavam por escadarias.[2]

Em recente visita ao local, pudemos identificar a existência de muitas das árvores acima citadas, bem como as ruínas dos pilares do portão de entrada, dos terraços e da fábrica de chá. Infelizmente, tudo no mais completo abandono.

Além de ensaiar a cultura de várias plantas indígenas e aclimatação de espécies exóticas, no Jardim Botânico também se criava o bicho-da-seda e abelhas europeias, que dali se espalharam para várias partes da Província.

A Lei Provincial nº 175, de 31 de março de 1840, criou no Jardim Botânico de Ouro Preto uma Escola Normal para ensino das regras da agricultura e, em especial, para o “melhor methodo da plantação, cultura, preparação e o fabrico do chá”. A mesma lei autorizou o Governo a preparar cômodos para residência dos alunos, adquirir obras e instrumentos para a fábrica e comprar até vinte escravos, embora devesse ser priorizado “o engajamento de pessoas livres e de algum Chinez adestrado”.

Em 17 de dezembro de 1843 o Jardim Botânico foi visitado pelo cientista francês Francis Castelnau, que afirmou ali existirem 35 mil pés de chá da Índia, sendo o quadro de servidores constituído pelo Diretor, um feitor, seis escravos e seis trabalhadores livres.[3]

Em 1845 sementes do chá do Jardim Botânico eram distribuídas para os interessados no cultivo da planta, que alcançou larga produção na Província, havendo registros de plantações nas Vilas de Campanha, Baependi, Jaguari, São João del-Rei, Lavras, Aiuruoca, Pouso Alegre, Caldas e Santa Bárbara[4].

No ano de 1848 a produção de chá no Jardim Botânico de Ouro Preto estava a pleno vapor, sendo noticiado no periódico da Corte, o  Correio Mercantil, de 07 de junho de 1848,  o envio do produto às legações brasileiras de Londres e Paris para apreciação. 

Pelo Regulamento Provincial nº 34, de 1855, foram estabelecidas as regras para o funcionamento do Jardim Botânico de Ouro Preto, o que revela o seu caráter de área protegida, submetida a especial regime de fiscalização e normas de visitação, características que permitem considera-lo como a primeira unidade de conservação de Minas Gerais, pois reúne todas as características hoje exigidas para o enquadramento de uma área em tal conceito, quais sejam: espaço territorial e seus recursos ambientais com características naturais relevantes; instituição formal pelo Poder Público; objetivos de conservação, limites definidos e  regime especial de administração.

                O caráter de bem de fruição pública é evidenciado logo no artigo 1º., que dispõe que o Jardim Botânico era de acesso franco ao público, todos os dias, desde as sete horas da manhã até as sete da tarde.
             
                A especial vigilância da área é demonstrada no artigo 3º, que diz que no portão de entrada do Jardim Botânico ficaria um guarda a fim de evitar o ingresso de pessoas loucas, embriagas ou armadas, bem como de animais soltos ou extraviados.
                A proteção do espaço por meio da vedação de atividades nocivas aparece no art. 4º, que veda a caça ou o lançamento de fogos de artifício no Jardim.

                O art. 7º, por seu turno, proibia:

1.                       Arrancar ramos, folhas, flores, plantas, colher frutas ou apoderar-se de outro objeto, salvo obtendo-se o consentimento do diretor ou de algum dos feitores do estabelecimento.
2.                       Danificar cerca, grades ou reparos que se acharem em torno das plantas.
3.                       Almoçar, jantar ou tomar qualquer comida ou bebida espirituosa dentro do jardim, sem obter prévio consentimento do diretor.
4.                       Lançar nas ruas ou canteiros cascas, ciscos, ou outro objeto que prejudique o asseio.
5.                       Levantar nas ruas do jardim vozerias, dar gritos ou fazer alaridos, salvo caso de necessidade de socorro.
6.                       Inscrever em qualquer parte do jardim dísticos, letreiros, palavras ou figuras de qualquer natureza,
7.                       Praticar dentro do jardim qualquer ação que na opinião pública seja ofensiva à moral e aos bons costumes.

                A gerência e administração do Jardim Botânico estava, nessa época, entregue ao Capitão do Corpo Policial Francisco Maria da Conceição. Além da produção de chá de várias qualidades, há o registro, em 1855, da existência de 170 colmeias de abelhas, com expressiva produção de mel e cera.[5]

                Sobre o Jardim Botânico, o relatório do Presidente da Província de 1861 consignou: “Este estabelecimento acha-se em melhor pé, mais cuidadosamente tratado e oferece quase o único recreio aos habitantes desta Capital. Além dos trabalhos com o chá e com as abelhas, limpeza, conservação e aformoseamento, os africanos ali depositados empregam-se em consertar alguns pedaços de estrada que se arruínam nas vizinhanças da Capital. Ali existem sustentadas pela Província 37 pessoas.”[6]
                Em 1866 lamentavelmente o Jardim Botânico foi abandonado pelo Poder Público, sendo levados a hasta pública os móveis e equipamentos do estabelecimento. O prédio principal foi transformado em Lazareto e no local instalada uma enfermaria para tratamento das vítimas da varíola.
A Província de Minas, de 17 de abril de 1885, levantou seu brado contra o descaso com a velha instituição, onde existiam abandonadas muitas  plantas regadas pelo suor de nossos venerandos antepassados”.
                No ano de 1891, com autorização dada pelo  Marechal Deodoro da Fonseca,  foi criada a Companhia Industrial e Agrícola de Vila Rica, que assumiu a posse do terreno do antigo Jardim Botânico[7] e retomou a produção do chá.[8]
No ano de 1907 cogitou-se da criação de uma colônia de estrangeiros no Jardim Botânico de Ouro Preto, então pertencente à União Federal[9], proposta que não foi levada a efeito e no ano de 1911 vários sãos os registros de abandono das edificações.

                O Minas Gerais de 29 de dezembro de 1917 noticiou:

Por ocasião da votação do orçamento da Fazenda, foi, anteontem, aprovada pelo Senado a emenda autorizando o governo a ceder gratuitamente, ao Estado de Minas, o Jardim Botânico de Ouro Preto.
Fundado há mais de 70 anos, prestou sempre os maiores serviços, muito contribuindo para a adaptação e vulgarização de várias plantas exóticas.
Veio depois a decadência do estabelecimento devido a causas que não vale a pena recordar, datando a sua supressão mais de trinta anos.
O Governo Imperial conservou, entretanto, o edifício durante longos anos, sendo mesmo aproveitado para lazareto.
Por falta de conservação ruiu mais tarde a velha casa, ficando em torno dela, resistindo à ação do tempo e às ervas daninhas, a admirável plantação de chá, de onde tem saído milhões de mudas dessa preciosa planta para todo o país.
Por ocasião da organização da Companhia Industrial de Vila Rica, já vigente a República e devido à iniciativa de Cesário Alvim, o Marechal Deodoro da Fonseca mandou por um aviso expedido pelo Ministério da Fazenda entregar os terrenos e plantação à nova Companhia, ficando ressalvado que se ela viesse a desaparecer, voltaria ao domínio da União.

                Em 10 de abril de 1918 a União Federal formalizou a doação do terreno do Jardim Botânico ao Estado de Minas Gerais. O imóvel, compreendendo terrenos da antiga Chácara do Alto do Passa Dez, com aproximadamente 37 alqueires,  havia sido adquirido da viúva e herdeiros do Coronel Jerônimo Ferreira da Silva Macedo e dividia, por um lado, com a testamentaria do Coronel José Vellozo Carmo e, por outro,  com a estrada que seguia de Ouro Preto para Congonhas[10].

                Sobre o chafariz existente na área, em  1935 o engenheiro responsável por uma reforma nos principais monumentos da cidade, assim o descreveu:

“Ainda pode figurar como fazendo parte dos chafarizes do bairro das cabeças o que se acha no Jardim Botânico em terrenos do Instituto Barão de Camargos. É um velho chafariz de pedra, sem paredões laterais que o arrimem. Estando toda a fachada sem caiação, pode-se ver sua constituição íntima. Apresenta 2 pilastras de pedra, sem ordem, ligadas por uma verga, também de pedra e guarnecida no meio de um soco de pedra que devia ter servido de base a uma cruz ou figura. No meio desta parede, existe um quadro de cantaria provido de duas bicas, sem carrancas. O tanque que recebia esta água está sem parede de frente e as do fundo e laterais são se firmam mais, ficando o recinto do tanque aberto. A cantaria desta tanque está toda estragada.[..] Pela sua localização é ainda hoje [1935] utilizado pela população pobre de suas vizinhanças, estando constantemente a cair água.”[11]


No ano de 1994 o Estado cedeu a área ao Município de Ouro Preto, ainda hoje responsável pela administração do imóvel.

Creio que  é tempo de se dar a devida destinação ao antigo Jardim Botânico de Ouro Preto. Os vestígios  que ali se encontram são testemunhas silenciosas de um estabelecimento científico que prestou relevantíssimos serviços à sociedade mineira,  sociedade esta que não pode compactuar com o esquecimento e o abandono de sua história.



[1] Ouro Preto. Belo Horizonte. 1969. p. 139.
[2] Notas sobre alguns estabelecimentos de Ouro Preto. Ouro Preto. Cidade em três séculos. Bicentenário de Ouro Preto. Memória Histórica [1711-1911]. 2. Ed. Ouro Preto: Editora Liberdade. 2011.  p. 127.
[3] Expedição às regiões centrais da América do Sul.  Belo Horizonte: Itatiaia: 2000. p. 98.
[4] Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na sessão ordinaria do anno de 1846, pelo presidente da provincia, Quintiliano José da Silva. Ouro Preto, Typ. Imparcial de B.X. Pinto de Sousa, 1846.
[5] Relatorio que à Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes apresentou na 2.a sessão ordinaria da 10.a legislatura de 1855 o presidente da provincia, Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos. Ouro Preto, Typ. do Bom Senso, 1855.
[6] Relatorio que à Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes apresentou na abertura da sessão ordinaria de 1861 o illm.o e exm. sr. conselheiro Vicente Pires da Motta, presidente da mesma provincia. Ouro Preto, Typ. Provincial, 1861.
[7] Decreto 1283/1891.
[8] O Estado de Minas.  31 de março de 1896. P. 02.
[9] O Pharol. Juiz de Fora, 1º de setembro de 1907.
[10] Serviço Notarial do 3º Ofício de Belo Horizonte. Cartório Triginelli.
[11] Anais do Museu Histórico Nacional. Volume V, 1944.

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